Virgínia e os holofotes na CPI das Bets
Os últimos dias foram agitados no mundo do futebol. Muitos temas quentes poderiam pautar a nossa conversa de hoje. Um dos maiores técnicos da história do esporte foi anunciado como novo técnico da seleção brasileira, Ednaldo Rodrigues foi afastado da presidência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) por uma decisão judicial — abrindo espaço para Fernando Sarney assumir interinamente e convocar novas eleições para a entidade, o que gerou incertezas sobre o futuro da instituição e do técnico recém contratado —, o momento decisivo da Libertadores e os clássicos do último final de semana no Brasileirão poderiam muito bem também serem temas deste folhetim. Mas o extracampo se sobressaiu mais uma vez. Em todas as mídias, o assunto mais comentado e debatido foi a influencer Virgínia na CPI das Bets.
A CPI das Bets foi instalada no Senado Federal em 12 de novembro de 2024. O requerimento para a sua criação foi feito pela senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), que também é a relatora da comissão. O pedido de instalação teve a adesão de mais de 30 senadores. A presidência da CPI ficou a cargo do senador Dr. Hiran (PP-RR), e a vice-presidência com o senador Alessandro Vieira (MDB-SE). De acordo com as normas, a CPI tem 130 dias para concluir os seus trabalhos, com um limite de despesas de R$ 110 mil. O objetivo principal da CPI das Bets é investigar a crescente influência dos jogos de aposta no orçamento das famílias brasileiras, além de apurar a possível associação dessas plataformas com organizações criminosas envolvidas em práticas de lavagem de dinheiro. Segundo a relatora, espera-se como resultado uma melhoria da regulamentação vigente, a prevenção de crimes como a lavagem de dinheiro e a evasão fiscal, além da proteção aos consumidores de apostas esportivas.
Por que Virgínia foi chamada na CPI?
A CPI investiga a promoção de jogos de azar online feita por influenciadores digitais. A prática é considerada problemática, especialmente porque muitos dos seguidores desses influenciadores são menores de idade ou pessoas vulneráveis a problemas com jogos. Além disso, faz parte do papel da CPI investigar eventuais irregularidades nesses contratos de publicidade, possivelmente atrelados ao quanto os apostadores perdem, o famoso Rev Share, que é um modelo de negócios onde uma empresa (anunciante) compartilha uma porcentagem de sua receita com parceiros (afiliados) que geram vendas ou tráfego.
A influencer negou que o seu contrato seja regido nesse sistema de lucro atrelado à perda do jogador e afirmou que tinha apenas uma bonificação prevista caso a empresa tivesse um aumento de 100% nos lucros. Questionada sobre os possíveis riscos das apostas para seus seguidores, Virgínia declarou:
“Eu sempre deixo muito claro que é um jogo, que pode ganhar e pode perder. Que menores de 18 anos são proibidos na plataforma. Se possui qualquer tipo de vício, o recomendado é não entrar. E para jogar com responsabilidade.”
Assim, segundo ela, atendia em sua plenitude às diretrizes do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar).
Outro ponto polêmico da sabatina com a influenciadora foi o questionamento sobre a utilização de contas DEMO. Contas demo são contas de demonstração que os afiliados recebem login e senha com um saldo fictício para fazer gravações de vídeos. Ao ser perguntada se usava sua conta pessoal para jogar, ela respondeu: “É uma conta que eles mandam senha. É uma conta feita para eu jogar. Não é uma conta fake.”
Ao final, ela não se mostrou arrependida das divulgações que fez e acredita que não teve impacto social negativo com as suas parcerias com casas de apostas.
Esclarecimentos importantes e minha opinião
Apesar do foco das divulgações de Virgínia ser o “tigrinho” e outros jogos similares, ela também já divulgou apostas esportivas. Aí vem um problema primário no Brasil. As pessoas, de modo geral, e principalmente os legisladores, colocaram as apostas esportivas no mesmo balaio desses jogos. Um desserviço completo, feito por ignorância ou por má fé mesmo. Divulgar apostas esportivas não é crime. Agora, a maneira como se divulga pode ser criminosa. Tem uma legislação vigente no Brasil que deve ser seguida, e a conta parece que aos poucos está chegando para aqueles que acreditam que vale tudo para ganhar dinheiro. Lógico que essa legislação ainda pode ser melhorada. Quem vai aplicá-la também precisa ser mais instruído no assunto. As questões políticas, muitas vezes, se sobrepõem às questões legais. A impunidade reina em terras tupiniquins. Contudo, certamente é melhor ter regras do que ser um mercado à margem da lei.
Sobre os políticos que estão na CPI, percebemos claramente a falta de preparo e de conhecimento sobre tudo o que está sendo pautado. É notório que alguns parlamentares agem de forma pensada para tumultuar ou se autopromover em cima do assunto. As apostas esportivas não são para todas as pessoas. Precisamos sim de regras claras para a divulgação. Influenciar menores, usar conta DEMO, vender o sonho de dinheiro fácil e outras ações apelativas precisam ser criminalizadas. Mas o ato de apostar não é crime. Existirem viciados em apostas não é motivo incontestável para a proibição das bets no Brasil; se fosse assim, bebidas alcoólicas já teriam sido proibidas há muito tempo, para ficar apenas em um exemplo simples e direto.
No fim, Virgínia conseguiu mais uma vez estar nos holofotes e gerar o tão precioso engajamento que os influencers tanto amam. E pelo andar da carruagem, a CPI das Bets tem tudo para terminar em pizza, como de costume quando se trata de Brasília.
Abraço do professor,
Paulo Barreto
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