Proteção de Dados nas Apostas: Debate Sobre Regulamentação
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Artigo destaca importância de trazer a proteção de dados ao debate sobre regulamentação
sex 20 out/23

Artigo destaca importância de trazer a proteção de dados ao debate sobre regulamentação


Com as discussões sobre a regulamentação das apostas esportivas no Brasil em andamento, alguns temas relacionados ao setor começam a entrar na pauta dos debates sobre um futuro mercado regulado. Em artigo publicado no site Games Magazine Brasil (GMB), a advogada Maria Luiza Jobim, que faz parte do grupo Maia Yoshiyasu Advogados, falou sobre a importância do debate sobre perspectivas e obrigações relacionadas a proteção de dados na indústria das apostas esportivas

Confira abaixo, na íntegra, o artigo da advogada Maria Luiza Jobim no GMB:

 Proteção de dados e apostas esportivas no Brasil: Perspectivas futuras e obrigações atuais

Atualmente, parece inegável que a regulamentação das Apostas de Quota Fixa (AQF) em eventos esportivos é iminente no Brasil. A regulamentação dos jogos de azar em sentido geral está consubstanciada no famigerado Projeto de Lei 442/1991, aprovado na Câmara dos Deputados e atualmente pendente de análise do Senado Federal, onde foi numerado como PLS 2.234/2022, e seu o processo de aprovação ainda não foi definido.

 Especificamente, o microssistema jurídico da AQF ainda carece de sistematização, mas deveria ser mais breve que o quadro jurídico dos jogos, uma vez que a AQF já está autorizada, ou melhor, legalizada. A regulamentação, que poderia ter sido feita por meio de Decreto no governo anterior, parece ter sido substituída ou modificada preliminarmente por um novo Projeto de Lei (PL 3.626/2023) e/ou por uma Medida Provisória (MP 1.182/2023), ambos que estão pendentes de aprovação. No primeiro caso, aguarda apreciação do Senado Federal e, no segundo, do Congresso Nacional.

 Como principais elementos definidores para a compreensão da irradiação de efeitos no campo da proteção de dados, tem-se o disposto no artigo 29, § 1º, da Lei nº 13.756/2018, que caracteriza as apostas esportivas como (i) modalidade lotérica; (ii) envolvendo apostas em eventos reais de temática esportiva; (iii) onde no momento da realização da aposta é definido quanto o apostador pode ganhar em caso de prognóstico correto.

 A mesma lei prevê ainda que “as ações de comunicação, publicidade e marketing relativas às loterias de apostas fixas obedecerão à regulamentação do Ministério da Fazenda, sendo incentivada a autorregulação” (artigo 33º) e que “a pessoa coletiva titular da autorização fornecerá ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), de acordo com as normas emanadas do Poder Executivo, informações sobre os apostadores relacionadas à prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo” (artigo 35).

 Por outro lado, a conhecida Lei Geral de Proteção de Dados, Lei nº 13.709/2018, ou simplesmente LGPD, datada coincidentemente do mesmo ano da lei AQF, visa “proteger os direitos fundamentais de liberdade, privacidade e livre desenvolvimento da personalidade da pessoa física (artigo 1º, in fine).”

 A obrigação de recolher dados mínimos dos apostadores pode ser hoje amplamente aceita, mas nem sempre foi o caso. No passado, durante a regulamentação do bingo, inúmeras leis foram aprovadas uma após a outra para tratar de questões que precisavam de melhorias para dar sustentabilidade à atividade. Depois da famosa Lei Zico, a Lei Pelé, que, entre muitos outros pontos, autorizou a operação de bingo pelos estados federados, previa em seu projeto original a coleta de dados dos apostadores de bingo. Os parágrafos 2º e 3º do anterior artigo 71, que tratavam desse ponto, foram vetados por “violação da privacidade dos cidadãos”.

 Tal entendimento é agora inaceitável, pois prejudica fundamentalmente a capacidade de cumprir os deveres anteriormente mencionados relacionados com a responsabilidade social, a responsabilidade corporativa, o jogo responsável e a prevenção do crime. No entanto, quaisquer detalhes exigidos do apostador devem agora ser justificados, motivados, legalmente fundamentados e adequadamente protegidos (LGPD, artigos 6º e 7º). Essa é a diferença significativa que a LGPD impõe aos agentes de tratamento de dados. Em vez de proibir o uso, garante o cumprimento de uma série de princípios, entre os quais a finalidade (de uso) é apenas a porta de entrada (LGPD, Art. 6º).

 É evidente que, no início das operações, pode surgir uma série de incertezas quanto à quantidade de dados pessoais a serem exigidos, permitidos e fornecidos ao titular dos dados. Ambos os temas – AQF e proteção de dados pessoais – são recentes no ordenamento jurídico nacional, mas não nas suas propostas (especialmente quando se considera a AQF como modalidade de loteria em casos excepcionais). Exigem que as autoridades dos diferentes ramos do direito tenham uma compreensão específica das apostas esportivas e, mais importante, do ecossistema no qual a atividade é fomentada, sob o risco de atribuir responsabilidades incompatíveis com o seu real desenvolvimento e sustentabilidade. No caso da União Europeia, não é surpreendente que o primeiro Código de Conduta setorial relativo à proteção de dados tenha sido introduzido em 2020 precisamente para a indústria do jogo.

 Até que esta coordenação seja instrumentalizada e expressa, é fundamental, no entanto, que os operadores estejam preparados para desenvolver planos de ação na ausência de regras claras, uma vez que a agenda lotada da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) certamente impedirá que se pronuncie antecipadamente sobre o assunto.

 Será indispensável, portanto, a criação de canais de comunicação não apenas entre os agentes de tratamento e os titulares dos dados (pois não se trata de uma opção, mas de uma obrigação), entre o setor regulado, o regulador e a ANPD (conforme inclusive determina a LGPD, artigo 55-J, § 3º), mas também dentro da própria indústria em busca de melhores práticas.

 Tal como no caso da publicidade responsável que se refere ao incentivo à autorregulação, é inevitável que, no caso da proteção de dados, a regulação ande de mãos dadas com a autorregulação, no que ficou conhecido como autorregulação regulada ou corregulação.

 A indústria já demonstrou uma vontade real de trabalhar para atingir esse objetivo. Só neste ano, pelo menos três entidades representativas do setor, como o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), a Associação Brasileira de Defesa da Integridade Esportiva (ABRADIE) e a Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), foram criados com o objetivo de fornecer insumos sólidos para a regulação setorial do governo federal.

 Na busca pela eficiência, é imperativo que comecemos a contemplar as melhores práticas, compartilhá-las e divulgá-las em todo o setor. Ao fazer isso, poderemos não apenas aumentar a segurança jurídica das operadoras, mas também capacitar a ANPD para cumprir sua missão de promover “maior eficiência e o bom funcionamento dos setores regulados” (LGPD, Art. 55-J, § 3º) – e isso certamente inclui a atividade de apostas esportivas.

 Maria Luiza Jobim

Maia Yoshiyasu Advogados

 Ampliar debate

O artigo da advogada Maria Luiza Jobim sobre a proteção de dados e as apostas esportivas no Brasil levanta algumas questões interessantes e complexas que estão no cerne das discussões sobre a regulamentação das apostas no país. Com o avanço iminente da regulamentação, o artigo destaca a importância de considerar o aspecto da proteção de dados nesse contexto. Um dos principais pontos de discussão levantados no artigo é a necessidade que a operação de apostas esportivas terá de coletar dados pessoais dos apostadores, não apenas para fins de segurança, mas também para cumprir as obrigações relacionadas à prevenção a crimes como lavagem de dinheiro.

Outro aspecto particularmente interessante abordado no artigo é a mudança de paradigma em relação à coleta de dados em comparação com o passado, quando a privacidade dos cidadãos era mais rigorosamente protegida. O artigo menciona o exemplo da Lei Pelé, que autorizou a coleta de dados dos apostadores de bingo, mas teve parágrafos vetados por violação da privacidade. Hoje, essa abordagem é vista como inaceitável, uma vez que comprometeria a capacidade de cumprir as obrigações relacionadas ao jogo responsável e à prevenção do crime.

Além disso, o artigo destaca a necessidade de coordenação entre os diferentes ramos do direito e a indústria de apostas esportivas para garantir o desenvolvimento sustentável do setor. A criação de canais de comunicação entre os agentes de tratamento de dados, os reguladores e as autoridades nacionais é considerada fundamental pela autora, que também é favorável à ideia de “autorregulação” do mercado, visto que várias entidades representativas do setor já foram criadas e demonstram interesse em cooperar.

Sem dúvida, o artigo de Maria Luiza Jobim é importante para começarmos a ampliar esse tipo de debate. Como sempre faço questão de destacar aqui na Casa do Apostador, o foco do debate sobre a regulamentação das apostas esportivas no Brasil não pode ficar para sempre nos números de arrecadação. Um mercado regulado não acontece somente em cima desse tipo de debate. À medida que o país avança na regulamentação, é fundamental encontrar um equilíbrio entre todos os temas relevantes para que se crie um ambiente regulado minimamente funcional.

 

Escrito por Sérgio Ricardo Jr

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