Conflitos internos e denúncias de extorsão geram escândalo na CPI das Bets
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga irregularidades no mercado de apostas esportivas, conhecida como CPI das Bets, enfrenta uma grave crise institucional. As tensões escalaram após um embate acalorado entre os senadores Ciro Nogueira (PP-PI) e Soraya Thronicke (Podemos-MS), relatora da comissão. Além disso, acusações de extorsão envolvendo empresários do setor colocaram em xeque a credibilidade do colegiado.
Durante uma sessão recente, Soraya Thronicke sugeriu a convocação de integrantes do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro para explicações sobre a ausência de regulamentação do setor de apostas. O comentário gerou reação imediata de Ciro Nogueira, que ocupou o cargo de ministro-chefe da Casa Civil na gestão Bolsonaro. “Por que chamar o governo Bolsonaro?”, questionou Ciro, gerando uma troca de palavras ásperas.
Soraya rebateu, justificando que o governo anterior teve dois anos para regulamentar o setor, mas não o fez. Em tom ameaçador, Ciro respondeu: “Daqui a pouco é a senhora que vai ter que prestar muitas explicações aqui”. A crise tomou proporções mais graves com a revelação de um suposto esquema de extorsão envolvendo o lobista Silvio de Assis. Ciro Nogueira levou o caso ao presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), relatando que o lobista estaria exigindo dinheiro de empresários para impedir suas convocações pela CPI.
De acordo com as denúncias, o esquema funcionaria da seguinte forma: parlamentares apresentariam requerimentos para convocar empresários ligados ao setor de apostas, enquanto o lobista ofereceria, mediante pagamento, reverter essas convocações. A gravidade do caso aumentou após um empresário confirmar que Silvio de Assis pediu R$ 40 milhões para evitar sua ida à CPI. A Polícia Federal já investiga as denúncias.
Soraya Thronicke, citada indiretamente no suposto esquema, afirmou conhecer Silvio de Assis, mas negou qualquer envolvimento ilícito. Segundo a relatora, seu nome estaria sendo usado indevidamente. Para sustentar sua defesa, revelou ter recebido uma mensagem de áudio na qual um senador teria solicitado R$ 100 milhões para “resolver o assunto com a Soraya”. “Meu nome está sendo usado para achacar empresários, mas não tenho participação em nada disso”, afirmou Soraya.
Instalada em novembro, a CPI das Bets possui um prazo de cinco meses para concluir os trabalhos. No entanto, o desempenho até agora é considerado limitado. Entre os 360 requerimentos apresentados pelos 18 senadores, apenas 230 foram aprovados, e apenas seis testemunhas foram ouvidas até o momento. Diante das denúncias e do impasse entre os parlamentares, Rodrigo Pacheco cogita encerrar os trabalhos da comissão antes do prazo estipulado, para evitar que a situação culmine na criação de uma nova CPI destinada a investigar a atual.
Ultrajante
É desanimador observar, em pleno 2024, que as Comissões Parlamentares de Inquérito, muitas vezes criadas com o propósito de investigar e trazer transparência a setores problemáticos, se vejam envolvidas em escândalos de corrupção e extorsão. A CPI das Bets é mais um exemplo claro de como esses instrumentos, que deveriam ser um pilar da democracia, acabam sendo utilizados como palco para jogos de poder e interesses pessoais.
As denúncias de extorsão envolvendo lobistas e parlamentares reforçam a triste impressão de que o interesse público é frequentemente ofuscado por práticas antiéticas. Um lobista exigindo cifras milionárias para evitar convocações na CPI não apenas compromete a legitimidade das investigações, mas também expõe o que muitos já suspeitavam: que as CPIs, às vezes, parecem mais empenhadas em produzir negociatas nos bastidores do que em solucionar os problemas que afetam a sociedade.
É difícil não questionar o comprometimento de nossos representantes com a ética e a moralidade. Para cada passo que damos na busca por transparência e justiça, parece que retrocedemos com episódios como esse, em que nossos parlamentares se mostram mais próximos do lado mais obscuro da história política do país. Esses acontecimentos reforçam a necessidade de uma reforma estrutural no modo como as CPIs são conduzidas. Sem mecanismos rigorosos de fiscalização interna dos membros, corremos o risco de perpetuar a ideia de que essas comissões existem apenas para cumprir agendas políticas e pessoais. O Brasil merece mais do que isso. Merece investigações sérias e representantes à altura dos desafios do nosso tempo, não apenas mais um espetáculo de intrigas e vergonha.