Anatel admite dificuldades com sites de apostas ilegais e sugere mudanças legislativas
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) reconheceu que enfrenta dificuldades para combater as plataformas de apostas ilegais no Brasil. Segundo o presidente da agência, Carlos Baigorri, as medidas atuais para bloquear esses sites são pouco eficazes, comparando a situação ao ato de “enxugar gelo”. O principal obstáculo, segundo Baigorri, está na falta de poder para regular os operadores de Domain Name System (DNS), essenciais para o funcionamento da internet e frequentemente localizados fora do país.
Os operadores de DNS, que funcionam como listas telefônicas do ambiente digital, permitem que as bets ilegais driblem os bloqueios ao redirecionar o acesso para novos endereços IP. Embora a Anatel tenha bloqueado cerca de 5.200 sites, muitos conseguem voltar a operar rapidamente, pois as mudanças de IP dificultam o rastreamento e a suspensão definitiva. Além disso, a agência não dispõe de recursos tecnológicos e financeiros suficientes para monitorar todas as redes de telecomunicações do Brasil, que somam aproximadamente 20 mil, limitando-se a supervisionar grandes operadoras que concentram a maior parte do tráfego.
Para enfrentar o problema, a Anatel enviou uma proposta de medida provisória aos ministérios da Fazenda e dos Esportes, sugerindo alterações legislativas que ampliem seus poderes regulatórios. Entre as medidas propostas estão a modificação da Lei Geral de Telecomunicações, a inclusão de dispositivos específicos na legislação sobre apostas e ajustes no Marco Civil da Internet. O objetivo é obrigar os operadores de DNS a cumprir as determinações de bloqueio e permitir que a agência tenha instrumentos de fiscalização e sanção.
Além de aprimorar a legislação, a Anatel sugere ações que dificultem o acesso dos usuários às bets ilegais, como o bloqueio de meios de pagamento. A estratégia busca desestimular o uso dessas plataformas, mesmo que seja impossível eliminá-las completamente. Segundo Baigorri, se o usuário enfrentar dificuldades, como problemas para acessar o site ou resgatar o dinheiro, isso poderá reduzir o interesse em apostar em sites clandestinos.
A incapacidade de conter as bets ilegais ameaça o mercado regulamentado, prejudicando empresas que pagaram outorgas para operar legalmente no Brasil. Baigorri alertou ainda que o modelo de fiscalização atual, centralizado na Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), vinculada ao Ministério da Fazenda, não segue as melhores práticas internacionais. Mesmo com todos os desafios, o presidente da Anatel acredita que retroceder na regulamentação das apostas não é uma solução viável. Ele reforça que o mercado já está consolidado no país e que é necessário combinar aprimoramentos legislativos com medidas práticas para tornar as bets ilegais menos atrativas.
Era óbvio
A notícia sobre as dificuldades enfrentadas pela Anatel no bloqueio a sites de apostas ilegais no Brasil é mais um capítulo de um roteiro já conhecido: a velha mania do governo de reagir em vez de agir. A realidade que enfrentamos agora era absolutamente previsível para qualquer um minimamente familiarizado com o funcionamento do mercado global de apostas offshore. É de se perguntar se o governo realmente acreditou que bastariam algumas medidas burocráticas para controlar um setor que, mundialmente, já desafiou as mais avançadas legislações e tecnologias.
O problema não é exclusivo do Brasil, é verdade. Países com regulamentações bem mais maduras continuam enfrentando dificuldades para conter sites ilegais. A diferença, no entanto, está no esforço proativo que muitos deles fizeram ao longo dos anos para mitigar esses problemas. Por aqui, como de costume, adotamos a estratégia do improviso: regulamentamos primeiro, enfrentamos os problemas depois e, só então, pensamos em soluções. A regulamentação das apostas, que poderia ter sido uma referência global ao aprender com os erros de outros mercados, se revelou mais um exemplo de falta de planejamento.
A ausência de tecnologias adequadas e o desconhecimento sobre como lidar com operadores de DNS, peças centrais no funcionamento da internet, são reflexos de uma visão míope e simplista. A falha em antecipar os desafios, mesmo com um histórico global disponível para estudo, evidencia a negligência em investir em prevenção e análise de impacto. Esse modus operandi não é novo. Na verdade, ele espelha a maneira como o Brasil lida com inúmeros outros setores: da saúde pública à infraestrutura, passamos décadas apagando incêndios em vez de construir soluções duradouras.
É lamentável que continuemos presos a essa postura reativa. O Brasil tinha a oportunidade de liderar pelo exemplo, mostrando como uma regulamentação bem pensada pode ser mais eficaz e menos suscetível a falhas. Em vez disso, optamos por repetir os erros de outros países, como se estivéssemos empenhados em aprender pelo caminho mais doloroso. E enquanto insistimos em remediar problemas, o mercado de apostas ilegais segue ganhando terreno, prejudicando empresas legalizadas e a credibilidade do próprio governo.