Profissionais do SUS não se sentem preparados para lidar com viciados em aposta
Uma pesquisa realizada com profissionais de saúde que atuam no Sistema Único de Saúde (SUS) revelou que a maioria não se sente preparada para lidar com casos de vício em apostas online. O levantamento, conduzido pela organização sem fins lucrativos ImpulsoGov, ouviu 2.172 profissionais de todas as 27 unidades da federação, e mostrou que 55,2% dos respondentes afirmam não estar prontos para atender pacientes com problemas relacionados às apostas, enquanto 36,4% disseram estar “em parte” preparados para esse tipo de demanda.
A pesquisa também destacou um aumento significativo nos casos envolvendo saúde mental motivados por apostas online: 49,4% dos profissionais de saúde perceberam crescimento nessa área. No Norte do país, essa percepção foi ainda maior, com 58% dos entrevistados relatando um aumento nos atendimentos relacionados a esses casos. Entre os profissionais que mais identificaram esse crescimento estão técnicas de enfermagem (54,4%), agentes comunitários de saúde (52,2%) e aqueles que trabalham em municípios com até 20 mil habitantes (53,6%).
Os dados, coletados por meio de perguntas de múltipla escolha enviadas via WhatsApp entre 30 de setembro e 1º de outubro, revelaram também a opinião dos profissionais sobre a regulamentação das apostas no Brasil. Dos entrevistados, 965 se identificaram como enfermeiros e coordenadores de equipe, seguidos por 602 agentes comunitários de saúde, 443 técnicos de enfermagem, 72 médicos, além de cirurgiões-dentistas e gestores. Mais da metade dos entrevistados (58,2%) defendeu a proibição total das apostas online, enquanto 36,8% se disseram favoráveis à legalização, desde que sejam criadas regras mais rígidas para o setor.
A maior parte dos profissionais de saúde que participaram da pesquisa atua na atenção primária do SUS, considerada a porta de entrada para o sistema de saúde pública. João Abreu, diretor-executivo da ImpulsoGov, enfatizou a relevância dessa pesquisa para compreender o nível de preparo dos profissionais e o impacto crescente das apostas na saúde mental da população. “A percepção desses profissionais sobre as demandas de saúde, incluindo as relacionadas à saúde mental, é extremamente relevante para apresentar um panorama do cenário atual e entender o nível de preparo que relatam ter para lidar com essas questões”, afirmou ele.
Atenção redobrada
A pesquisa que revela que mais da metade dos profissionais de saúde do SUS não se sente preparada para lidar com pacientes viciados em apostas não deveria ser motivo de alarme, mas sim um sinal claro de que estamos diante de uma demanda diferente. O vício em apostas não é um fenômeno recente no Brasil, mas o escalonamento desses problemas merece sim uma atenção redobrada do país. Por isso, é natural que o sistema de saúde pública, assim como seus profissionais, ainda esteja se ajustando para lidar com essa questão.
Quando falamos de problemas emergentes, como o impacto das apostas na saúde mental, precisamos lembrar que o preparo não surge do dia para a noite. O que a pesquisa destaca é um reflexo de uma situação que ainda está em fase de adaptação. Muitos dos profissionais que estão na linha de frente do SUS não foram treinados para enfrentar esse tipo de problema porque, até pouco tempo atrás, essa demanda simplesmente não existia. E é aí que entra a importância da regulamentação das apostas.
Sempre defendi que a regulamentação desse setor deve ir além da arrecadação de impostos e da moralidade discutida nos debates. A verdadeira questão está em como podemos utilizar esses recursos de forma estratégica para preparar a estrutura pública para enfrentar os efeitos colaterais desse fenômeno. O foco, na maioria das vezes, recai sobre a discussão de tributos ou sobre o discurso moralista que permeia as apostas, mas esquecemos de algo essencial: o impacto real que isso tem na saúde pública e como estamos nos preparando para lidar com isso.
É justamente por isso que a regulamentação precisa trazer consigo investimentos robustos na capacitação dos profissionais de saúde, como os que participaram dessa pesquisa. Eles são o primeiro ponto de contato para muitas pessoas que enfrentam problemas com vício em apostas, e se eles não estão preparados para oferecer o atendimento adequado, estamos negligenciando uma questão fundamental. Não adianta apenas regular o mercado de apostas; é necessário investir no atendimento e na prevenção, algo que, infelizmente, quase sempre foi tema secundário nas discussões dos últimos anos.
Escrito por Sérgio Ricardo Jr.