Identificando fraudes esportivas na MLB - Gustavo Zambrano
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qua 06 ago/25

Identificando fraudes esportivas na MLB


Banner do Zambrano, autor do texto Identificando fraudes esportivas

Chegamos à parte final de nossa série sobre identificar equipes superestimadas nas três grandes ligas americanas (NFL, NBA e MLB). Deixei a MLB por último porque, confesso, eu não sabia muito bem o que dizer sobre ela. A MLB é a minha liga favorita e a que me sai melhor durante minha carreira, embora este ano esteja sendo difícil — em parte, pelos motivos que abordei em meu artigo de estreia aqui na Casa do Apostador. Porém, muito do que posso dizer sobre a MLB não é de fácil compreensão para apostadores não familiarizados com o esporte, o que torna este artigo mais desafiador que os anteriores.

Das três grandes ligas, a MLB é a menos popular no Brasil, com muitas pessoas justificando que acham o beisebol um esporte parado e sem emoção. Embora eu discorde completamente disso, não estou aqui para criticar o gosto alheio. Mas, mesmo que você não goste de beisebol, a riqueza estatística da liga é um exemplo do que deveria ser buscado em cada esporte — suas estatísticas servem como lições valiosas de como analisar a fundo um jogo, separando o ruído do sinal.

Por exemplo: você sabia que o xG do futebol nada mais é do que uma versão adaptada do xFIP do beisebol? Pois é! O beisebol foi o pioneiro em análises avançadas. O surgimento e a implementação das estatísticas no esporte são abordados em parte no livro Moneyball, de Michael Lewis, que inspirou o filme de 2011 protagonizado por Brad Pitt, interpretando o então GM dos Athletics, Billy Beane — ainda na franquia, hoje como vice-presidente.

A obra Moneyball é uma excelente introdução ao uso de estatísticas avançadas no esporte, e recomendo a todos os apostadores — mesmo aqueles que não se interessam por beisebol. O único problema do livro (e também do filme) é que a história é contada sob uma ótica bastante favorável aos Athletics, que não eram tão melhores do que as outras 29 franquias em detectar jogadores subestimados ou falhas de mercado. Os Tampa Bay Rays — que abordarei como exemplo de time superestimado em uma temporada recente — serviriam melhor ao propósito da história, já que operam com um orçamento tão limitado quanto o dos Athletics, mas foram muito mais inovadores ao longo dos anos, colocando equipes competitivas em campo com consistência.

Para encerrar a introdução, é importante ressaltar que a MLB não cria fraudes tão óbvias quanto a NFL ou a NBA. Ou melhor: por ser uma liga muito bem explicada pelas estatísticas, as fraudes são tão facilmente identificadas que apontá-las se torna algo quase trivial. As fraudes na MLB normalmente não sobrevivem por muito tempo e são construídas, na maior parte das vezes, por uma mistura de amostras pequenas com estatísticas infladas e fadadas à regressão — tema que já abordei extensamente nas partes anteriores desta série.

Nuances do beisebol

No beisebol, os times jogam 162 partidas em uma temporada regular, com seis ou sete jogos por semana — algo impensável em outros esportes. Com um calendário tão longo, é natural que grandes flutuações aconteçam. Mas, ao contrário das outras ligas, às vezes é melhor focar em amostras curtas para identificar mudanças sustentáveis do que confiar cegamente nos números gerais. Um time que era ótimo em maio pode não ser mais em agosto — e isso nem sempre se deve a flutuações aleatórias.

Se na NFL abordei três histórias para ilustrar a criação de times superestimados, e na NBA usei apenas um exemplo, aqui farei o mesmo: analisarei uma única equipe — os Tampa Bay Rays de 2023 —, mas também falarei de dois times atuais que, neste exato momento da temporada, estão sendo superestimados nas odds: um pelo que já foi, outro pelo que poderia ser. E ainda abordarei um arremessador específico, que mostrará como às vezes é mais valioso olhar para amostras recentes do que para os números gerais.

Várias temporadas dentro de uma temporada

Como disse acima, uma temporada de beisebol é composta por 162 partidas de cada equipe, 2.430 partidas no geral ao longo de seis meses. Isso cria algo que muitas vezes é ignorado por apostadores menos atentos: a MLB não é uma única temporada — são várias. O que é verdade em abril pode já não ser verdade em agosto. As equipes estão em constante alteração: jogadores se lesionam, são trocados, rebaixados ou promovidos das ligas menores (que seriam o equivalente às categorias de base do futebol); outros fazem ajustes e se transformam em algo completamente diferente do que eram anteriormente. No final da temporada, seu recorde completo te levará ou não aos playoffs, mas nem todas as equipes que chegam aos playoffs jogaram realmente bem nos meses finais da temporada. Às vezes, uma campanha surpreendente no início contribui para levar um time que atualmente não é tão forte para a pós-temporada.

O prazo de trocas da MLB também é bem mais movimentado do que nas outras duas grandes ligas. É natural que equipes sem chances reais de classificação se desfaçam de jogadores com contrato expirando, que acabam sendo absorvidos pelas equipes ainda na disputa.

Com isso, um bullpen que foi problemático durante os primeiros meses da temporada pode ser fortalecido através de trocas, melhorando substancialmente na reta final. Equipes que tinham dificuldade contra arremessadores canhotos muitas vezes buscam rebatedores especialistas. É importante ter em mente que os times estão cientes de seus próprios problemas e buscarão corrigi-los. Uma análise superficial, olhando para os números gerais de uma temporada — mesmo os avançados — deixará de lado essas mudanças, gerando uma avaliação imprecisa, ainda que tecnicamente fundamentada em estatísticas.

Também é comum que uma equipe inicie a temporada em ritmo forte e caia de produção mais tarde, ou que comece mal e se recupere ao longo da temporada. Por mais que o beisebol tenda à regressão estatística ao longo do tempo, nem toda variação pode ser explicada apenas por sorte ou oscilação natural. Algumas melhoras ou quedas são sustentadas por mudanças reais e observáveis, como o caso de Sean Manaea, que veremos abaixo.

É por isso que, mais do que em qualquer outra liga, entender o momento atual e o porquê das variações é crucial na MLB. Apostar com base em estatísticas acumuladas pode ser útil, mas é insuficiente se desconsiderarmos o contexto e as dinâmicas internas de uma temporada tão longa e instável.

Sean Manaea: duas versões de um mesmo jogador

Para entender como ajustes são cruciais no beisebol, e podem mudar completamente a essência e o valor de um jogador, examinaremos os ajustes promovidos pelo arremessador Sean Manaea na temporada de 2024, e como eles criaram uma versão diferente do arremessador.

Sean Manaea, jogador do New York Mets, da MLB

Manaea é um arremessador veterano, de 32 anos, que foi consistente, mas não espetacular ao longo da carreira. Após duas temporadas em declínio, o arremessador ganhou um novo gás com os New York Mets no ano passado. Mas, embora os seus números gerais tenham sido bons durante todo o ano, a sua temporada se dividiu em dois momentos: antes e depois da bola rápida. Manaea teve um ERA 3.43 em suas 17 primeiras partidas no ano passado, mas com estatísticas subjacentes que gritavam regressão, a principal delas uma relação HR/FB de 6,8%, bem abaixo da média da liga e da marca do arremessador na carreira.

O seu desempenho durante os 17 primeiros jogos o colocava como um arremessador de ERA 4.41 pela métrica preditiva do xFIP. A regressão nos home runs de fato ocorreu no restante da temporada, com 13,7% das flyballs permitidas por ele se transformando em home runs nas últimas 15 partidas, mas com mudanças no repertório, Manaea apresentou uma melhora significativa em outros aspectos, compensando a regressão nos home runs e postando um ERA 3.51 nos últimos 15 jogos que, diferente da primeira amostra de 17 jogos, foi construído por mérito e não por mera sorte.

Nos últimos 15 jogos, Manaea promoveu mudanças drásticas no repertório, abandonando cutter e sinker, enquanto voltou a arremessar uma bola rápida, ausente de seu repertório durante as 17 primeiras partidas, mas que correspondeu a 57% de seus arremessos nos 15 jogos finais. Com um uso maior da bola rápida, Manaea aumentou sua taxa de strikeouts, ao mesmo tempo em que apresentou melhor controle. Com mais rebatedores eliminados por strikeout e menos chegando em base através de walks, menos bolas foram colocadas em jogo contra o arremessador, levando ao bom desempenho mesmo com a regressão nos home runs cedidos.

Um apostador bem familiarizado com estatísticas de beisebol, mas não dedicado a buscar explicações para os números, pode ter insistido em apostas contra Manaea com base em seu período sortudo de 15 jogos. No entanto, se o antigo Sean Manaea não tinha como manter aquele nível, o novo era bem mais efetivo, conseguindo resultados que eram sustentáveis com base em seu novo perfil. Sean Manaea foi dois jogadores diferentes atuando sob o mesmo nome na temporada de 2024, mas muitos apostadores, que se concentraram nos números gerais, ignoraram isso.

Os Tampa Bay Rays de 2023

Como afirmei na introdução, os Rays são um exemplo muito melhor da filosofia do Moneyball do que os Athletics. Tampa opera com um orçamento restrito, mas possui um excelente departamento de análises, colocando equipes competitivas em campo ano após ano. Isso, porém, não significa que eles não possam ser superestimados de vez em quando, e o time de 2023 é o melhor exemplo.

Na temporada de 2023, os Tampa Bay Rays venceram as suas 13 primeiras partidas, igualando o recorde da era moderna da MLB (ao lado dos Brewers de 1987 e dos Braves de 1982). Suas vitórias foram, em grande parte, arrasadoras, com a equipe construindo um diferencial de corridas de +71 nesse período. Sequências como essa não devem ser desmerecidas, mas alguns detalhes importantes passaram despercebidos por muitos.

O mais óbvio era que Tampa não havia enfrentado nenhum oponente realmente desafiador. As 13 vitórias vieram ao longo de quatro séries contra: Detroit Tigers, Washington Nationals, Oakland Athletics e Boston Red Sox. Combinados, esses times terminaram a temporada com aproveitamento de apenas 41,4% (277-391 W/L). Todos os quatro encerraram o ano com campanhas negativas; nenhum foi aos playoffs. Um deles, os Athletics, teve a pior campanha geral da MLB (50-112). Na época, obviamente não sabíamos que todos se sairiam tão mal no restante da temporada, mas já havia indícios de que nenhum daqueles times era, de fato, competitivo.

Esse é o fator mais visível que contribuiu para que Tampa fosse confundido com um time dominante: uma tabela extremamente favorável. Mas havia outro ponto, mais sutil, que também distorceu a percepção pública sobre a força dos Rays naquele momento.

Quantos canhotos são necessários para enganar o mundo?

Nas suas 13 primeiras partidas, os Rays enfrentaram sete arremessadores canhotos como titulares — um número desproporcional à média da liga, onde cerca de 70% dos starters são destros. Isso tornou a amostra inicial enviesada, já que a maior parte da produção ofensiva foi construída contra um tipo específico de arremessador, menos representativo dos confrontos regulares na liga.

Aquele Tampa Bay contava com excelentes rebatedores destros (Yandy Díaz, Randy Arozarena e Isaac Paredes, entre eles). A equipe se manteve forte contra canhotos durante quase toda a temporada, mas a produção contra destros foi apenas mediana. O time ainda foi sólido no restante do ano, embora tenha perdido força na reta final, registrando uma campanha de 46-35 na segunda metade, bem abaixo dos 53-28 antes do All-Star Game. A queda culminou com uma eliminação precoce nos playoffs, ainda na rodada de wild card.

O problema é que aquele sucesso inicial, construído contra adversários fracos e uma quantidade desproporcional de arremessadores canhotos, fez com que muitos confundissem um time apenas sólido com uma superequipe — o que gerou distorções nas odds e avaliações equivocadas por parte de apostadores. Muitos tiveram receio de apostar contra Tampa Bay nos meses seguintes. O medo é um mecanismo natural de defesa do ser humano, mas, nas apostas, ele pode ser um obstáculo. O medo impede que você reconheça boas oportunidades. E, no caso dos Rays, esse medo foi infundado.

Detroit Tigers

Uma das surpresas desta temporada, os Tigers, que já haviam feito uma boa segunda metade de temporada no ano passado, registraram a melhor campanha da liga na primeira metade, com 59 vitórias e 38 derrotas. Porém, o time não tem sido tão impressionante desde a pausa para o All-Star Game. Os Tigers perderam oito de suas nove primeiras partidas após a retomada da temporada, mas “melhoraram” desde então, com seis vitórias em seus últimos oito jogos. O “melhoraram” está entre aspas porque, apesar dos bons resultados, a equipe ainda apresenta problemas significativos no bastão, mascarados por uma alta relação HR/FB% em um curto período.

O ataque foi bastante eficiente durante a primeira metade da temporada, o que, aliado a uma rotação talentosa — encabeçada pelo atual vencedor do prêmio Cy Young da Liga Americana, Tarik Skubal — e a um bullpen bem administrado pelo manager A.J. Hinch, levou à excelente campanha. Os Tigers da primeira metade não foram um time superestimado; eles realmente mereceram o recorde. O problema é que muitos de seus jogadores estiveram acima de seus níveis reais de talento. E, ainda que em uma amostra curta, o time da segunda metade da temporada não se parece nem um pouco com o da primeira. Mesmo assim, as odds ainda refletem a força demonstrada pela equipe durante os primeiros meses, enquanto apostadores seguem julgando o time pelo que ele foi, e não necessariamente pelo que ele é no momento.

Desde a pausa para o All-Star Game, os rebatedores combinaram para uma taxa de strikeouts de 25,8%, a maior da liga, enquanto chegaram em base através de walks em apenas 4,9% das idas ao bastão — pior marca da MLB no período. Além da queda de produção do ataque, o bullpen também passou a apresentar problemas, enquanto alguns membros da rotação regrediram.

Talvez os Tigers melhorem daqui para frente, mas, neste momento, eles lembram os Tampa Bay Rays de 2023 — um time que impressionou no início da temporada, mas que perdeu gás na reta final.

Los Angeles Dodgers

Os Dodgers são os atuais campeões da World Series, contam com o melhor jogador do mundo, Shohei Ohtani, e reúnem um elenco recheado de estrelas. A equipe possui a maior folha salarial da MLB, quase o dobro do orçamento médio das demais franquias. Diferente da NFL e da NBA, a MLB não possui um teto salarial (salary cap), mas isso não impede que a liga mantenha um bom nível de paridade. Ainda assim, os Dodgers operam em um patamar financeiro isolado, o que naturalmente cria uma expectativa de desempenho constante em nível de elite — expectativa que nem sempre é justificada pelo desempenho em campo.

Os Dodgers entraram na temporada como grandes favoritos ao título e raramente foram considerados underdogs em qualquer jogo. O time tem sido sólido, liderando a divisão West da Liga Nacional, com uma campanha de 65-48. No entanto, venceu apenas 13 de suas últimas 30 partidas, com muitas de suas estrelas atravessando um período de baixa produção. Com a equipe sofrendo com constantes lesões de arremessadores, a rotação e o bullpen oscilaram durante toda a temporada. Ainda assim, o ataque — com nomes como Mookie Betts, Freddie Freeman e Ohtani — manteve o time competitivo no início. Os grandes nomes continuam, mas a produção não.

Desde o início de julho, os Dodgers registraram o terceiro pior wRC+ da liga, com uma produção ofensiva estimada 15% inferior à média da MLB. Betts, com problemas de saúde, tem sido um dos rebatedores menos produtivos da liga nesse período, enquanto outros nomes como Teoscar Hernández e Andy Pages também contribuíram pouco no bastão. Ainda assim, as odds seguem refletindo uma equipe de elite, que não corresponde ao desempenho atual.

É o inverso dos Tigers: enquanto Detroit é superestimado pelo que foi no início da temporada, os Dodgers continuam recebendo crédito por aquilo que deveriam ser.

Com isso, chegamos ao final de nossa série. Outras virão no futuro, ainda há muitos assuntos a serem abordados.

Identificar fraudes é, antes de tudo, um exercício de ceticismo. Não se trata apenas de ir contra a opinião pública, mas de compreender o papel da sorte, separar os elementos sustentáveis — que realmente constroem boas equipes — daqueles gerados por pura aleatoriedade. É deixar de lado as narrativas rasas da mídia e se aprofundar no estudo dos esportes, indo além de comentaristas, torcedores e, muitas vezes, até de outros apostadores.

Entender o real nível de força de uma equipe é, na verdade, a chave para encontrar valor nas apostas esportivas. Se um time é bom — e todos sabem disso — o mercado refletirá esse consenso, e o valor provavelmente não estará ali. Da mesma forma, se um time é ruim — e isso é amplamente reconhecido — também será difícil lucrar apostando repetidamente contra ele. Agora, se um time parece bom, mas não é tão bom assim, alguma ineficiência existirá no mercado. Mesmo que as casas saibam disso, as odds, na maioria das vezes, refletem o desejo do público e não necessariamente a probabilidade real dos eventos.

Seu papel, como apostador, é identificar quando isso acontece.

Gustavo Zambrano

Leia também:

Parte 1: Identificando fraudes esportivas – Introdução

Parte 2: Identificando fraudes esportivas na NFL

Parte 3: Identificando fraudes esportivas na NBA

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