Identificando fraudes esportivas na NFL
Na semana passada, dei início a uma série sobre como identificar equipes superestimadas nas três grandes ligas americanas. Hoje, é hora de focar na NFL, a liga preferida dos americanos e que tem se tornado mais popular no Brasil a cada ano, com o nosso país inclusive passando a sediar jogos de temporada regular. A NFL também é uma das ligas mais complexas para o apostador, já que a temporada é de curta duração, o que cria um nível alto de variância.
São apenas 17 jogos por equipe em uma temporada regular da NFL, muito menos do que os 82 da NBA e os 162 da MLB e, como vimos no artigo de introdução, quanto menor a amostra, maiores as chances de ela ter sido construída por aleatoriedade.
Com isso, equipes fraudulentas são bastante frequentes na NFL. Abaixo, listarei os quesitos que mais contribuem para que equipes tenham campanhas acima de seu nível real de talento e, depois, analisarei as três últimas grandes fraudes: os Minnesota Vikings de 2022, os Philadelphia Eagles de 2023 e os Buffalo Bills de 2024 — cada um com as suas particularidades, mas com algo em comum: eram enormes fraudes, que iludiram mídia, torcedores e, infelizmente, parte dos apostadores.
Acertei o vencedor de 17 dos últimos 18 Super Bowls. Ainda que tenha oscilado como apostador de uma temporada para outra. Obviamente me orgulho bastante deste feito, que não teve tanto reconhecimento quanto o esperado, considerando que a maioria de vocês não me conhece. Mas existe outra sequência da qual me orgulho: ter conseguido identificar precocemente as grandes fraudes da liga, apontando os problemas de equipes que eram fortemente consideradas contenders pela mídia.
Em cada uma das últimas três temporadas, houve uma fraude que se destacou por um longo período. Gritei fraude para todos eles — e todos eles caíram em algum momento. Os Vikings de 2022 e os Eagles de 2023 foram posteriormente reconhecidos como fraudes, mas os Bills de 2024 ainda não. Mídia, torcedores e apostadores ainda os encaram como uma grande equipe.
Saldo de Turnovers
Turnovers se correlacionam bem com vitórias na NFL. Equipes que vencem a batalha dos turnovers vencem 78% de seus jogos — porcentagem que se manteve estável nas últimas décadas, mesmo com a evolução do jogo. Logo, vencer a batalha dos turnovers é algo bastante desejável. Então por que isso indicaria uma equipe fraudulenta? Bem, o problema é que os turnovers são, em grande parte… aleatórios.
Forçar turnovers, na maior parte das vezes, obviamente é uma habilidade. Mas recuperá-los? Nem tanto. Interceptações, evidentemente, são mérito da defesa — ainda que aconteçam com mais frequência em situações específicas dentro dos jogos. Mas os fumbles são bastante caóticos e podem impactar diretamente as campanhas, fazendo com que alguns times pareçam melhores do que são de fato, enquanto outros pareçam piores.
Fumbles não são criados iguais, evidentemente, mas a porcentagem média de recuperação de fumbles pelas defesas é de 47,4% — número que também se manteve bastante estável nas últimas décadas. Equipes que superam por muito essa margem não possuem uma habilidade especial de recuperação de fumbles — e sim, muita sorte.
Então é prudente analisar se boas campanhas não vieram por conta de um saldo positivo de turnovers irreal, que tende a regredir à média, transformando carruagens em abóboras.
Saldo de Pontos
Isso talvez renda outra série de artigos no futuro, mas o saldo de pontos (corridas, gols ou qualquer outra forma de pontuação) costuma ser mais preditivo para o recorde futuro de uma equipe do que o recorde atual. Isso porque superar os oponentes por uma margem grande é um indicativo real de força das equipes, enquanto vencer jogos por placares apertados é mais questão de sorte do que de mérito.
A mídia esportiva, no entanto, ama exaltar equipes que conseguem vitórias apertadas, com adjetivos como resiliente, clutch, decisivo ou qualquer outra baboseira que saia da boca de jornalistas cretinos — mestres em criar narrativas baratas, mas que não são apaixonados o suficiente pelo esporte a ponto de estudá-lo a fundo.
“Eles sabem como vencer” é algo que é dito com frequência, curiosamente, para equipes que vencem jogos por placares apertados — o que é contraintuitivo, já que, se esses times soubessem de fato como vencer, eles não se colocariam intencionalmente em situações desfavoráveis nas partidas, precisando virar jogos nos instantes finais. Eles simplesmente venceriam por uma margem ampla — que é o que boas equipes realmente fazem.
Conversões de terceiras descidas e aproveitamento na red zone
Isso tem ligação com o que abordei na introdução desta série, quando citei estatísticas infladas. Por algum motivo que não sou capaz de entender, a porcentagem de conversão em terceiras descidas e o aproveitamento das equipes na red zone se tornaram estatísticas queridas por comentaristas da NFL, que frequentemente citam ambas como indicativos de qualidade real das equipes.
O que não poderia estar mais longe da realidade. Afinal, são métricas de alta variância, que em geral regridem à média e que, ao contrário do que acreditam os comentaristas, são melhores indicativos de equipes fraudulentas do que de equipes de fato muito eficientes. Entender as taxas base do esporte é fundamental para não ser enganado pelos números.
Esses são os três quesitos que mais interferem nas campanhas, criando ilusões de força onde existe apenas sorte. Agora é hora de analisarmos três equipes que servem de exemplo: as maiores fraudes dos últimos três anos. Com algo em comum, todas elas se beneficiaram de um ou mais aspectos de sorte.
Minnesota Vikings de 2022
Os Vikings de 2022 venceram 13 de suas 17 partidas na temporada regular, mas terminaram com um cômico saldo positivo de +3, o menor da história da liga para uma equipe com 12 ou mais vitórias. A fraude foi rapidamente desmascarada nos playoffs, onde a equipe acabou eliminada em casa por um humilde New York Giants, que teve uma campanha de 9-7 W/L na temporada regular.
Os Vikings de 2022 não foram criados por sorte nos turnovers — eles tiveram um saldo positivo de apenas +2 —, mas muitos turnovers vieram em momentos-chave das partidas, como a emblemática e milagrosa vitória sobre os Bills na semana 10, quando o quarterback Josh Allen cometeu um fumble na linha de uma jarda ao se ajoelhar para garantir a vitória de Buffalo. Eles também se beneficiaram de uma grande eficiência na red zone, tornando-se um exemplo claro da defesa que enverga, mas não quebra — uma das maiores falácias do futebol americano. A defesa de Minnesota naquele ano foi a segunda pior em jardas permitidas (também uma métrica problemática, mas que aqui serve bem para ilustrar o exemplo), mas a eficiência na red zone foi bastante alta, com o time permitindo menos touchdowns do que o esperado com base nos problemas demonstrados pelo setor.
O ataque foi apenas mediano, mas, assim como a defesa, transformou idas à red zone em touchdowns em uma taxa bem acima do esperado.
Onze das 13 vitórias daquela equipe dos Vikings vieram por uma posse de bola (7 pts) ou menos.
Philadelphia Eagles de 2023
Os Eagles são os atuais campeões do Super Bowl, e a equipe de 2024 era legitimamente forte — mas o mesmo não pode ser dito da de 2023, uma das maiores fraudes da história recente da liga. É fácil entender os motivos que fizeram a mídia se iludir com os Eagles de 2023: a equipe havia disputado o Super Bowl no ano anterior e venceu 10 de suas 11 primeiras partidas na temporada, incluindo uma vitória na revanche contra os Kansas City Chiefs por 21×17 na semana 11.
O problema é que, enquanto os Eagles de 2022 eram um time legitimamente forte e que chegou ao Super Bowl por mérito, o de 2023 — ainda que com a mesma base do time de 2022 — foi significativamente menos eficiente, se beneficiando de uma tabela fácil, de sequenciamento favorável durante as partidas e, assim como os Vikings de 2022, vencendo muitos jogos por uma posse de bola.
Após a campanha de 2022, os Eagles perderam os seus dois principais coordenadores. Shane Steichen, então coordenador ofensivo, virou head coach dos Indianapolis Colts, enquanto Jonathan Gannon, coordenador defensivo, foi para os Arizona Cardinals, também como head coach. Perder coordenadores de um ano para outro — especialmente se eles tiverem sido promovidos para cargos maiores em outras equipes, e não simplesmente demitidos — tende a gerar uma piora, já que os times passam por adaptações no sistema de jogo. Steichen foi substituído por Brian Johnson, que durou apenas uma temporada com a equipe, enquanto Gannon foi substituído por Sean Desai, que perdeu o emprego ainda durante a temporada de 2023, dando lugar a Matt Patricia, que terminou o ano como play-caller defensivo do time.
Os Eagles de 2023 jogaram tão mal que foram uma das equipes mais fáceis de identificar como fraude — mas a campanha, a maldita campanha, fez com que os que apontaram a fraude logo no começo parecessem idiotas até a semana 12, quando o declínio finalmente ocorreu. Após terem vencido 10 dos 11 primeiros jogos, os Eagles venceram apenas uma de suas últimas seis partidas, e foram eliminados de forma arrasadora pelos Tampa Bay Buccaneers na rodada de Wild Card, perdendo pelo placar de 32×9.
Assim como os Vikings de 2022, a farsa de Philadelphia não foi construída pelos turnovers — na verdade, o time se saiu bastante mal nesse aspecto, com um diferencial negativo de -10. O saldo de pontos sempre denunciou a baixa qualidade da equipe que, nas últimas seis partidas, teve um saldo de -59. Mas o sequenciamento em momentos importantes criou vitórias durante a primeira metade da temporada, oferecendo a narrativa perfeita para a mídia esportiva, que logo elegeu o time como um dos favoritos ao Super Bowl, mesmo que os números gerais da equipe não correspondessem a de um candidato real ao Super Bowl.
Buffalo Bills de 2024
Um dos times que mais me trouxeram problemas nos últimos anos — e, diferente dos Vikings de 2022 e dos Eagles de 2023 — os Bills de 2024 ainda não foram reconhecidos como a fraude que foram. Mas foram. E das grandes. A ilusão foi sustentada principalmente por uma eficiência absurda na recuperação de fumbles, que distorceu completamente a percepção sobre a força real da equipe. Historicamente, times beneficiados por uma parcela muito grande de sorte com turnovers regridem de uma temporada para outra, então é provável que os Bills sofram essa regressão na temporada que está por vir.
Aprendemos anteriormente que vencer a batalha dos turnovers se correlaciona muito bem com vitórias, então não é surpresa que os Bills, que tiveram um saldo positivo de turnovers de +24 — oito a mais do que o segundo colocado no quesito — tenham vencido 13 jogos na temporada regular. Note que a porcentagem de vitórias de Buffalo (76%) é muito próxima da porcentagem de vitórias relacionada à batalha dos turnovers (78%).
Os Bills não eram um time ruim — o ataque era bastante forte, embora a defesa tenha sido apenas mediana —, mas uma porcentagem irreal de recuperação de fumbles fez com que um time apenas bom se tornasse de elite, o que nunca foi sustentável. Os Bills de 2024 recuperaram incríveis 75% dos fumbles, muito acima da média histórica de 47%. Foram 16 fumbles recuperados pela defesa, enquanto o ataque perdeu apenas dois.
Isto é sorte, não habilidade. E sorte é um falso deus — te abandona quando você mais precisa dele. Os Bills da próxima temporada dificilmente se beneficiarão tanto da sorte quanto em 2024.
O que aprendemos com Vikings, Eagles e Bills?
As histórias dos Vikings de 2022, dos Eagles de 2023 e dos Bills de 2024 são, cada uma, exemplos de como o recorde nem sempre reflete a verdadeira força de um time — campanhas moldadas por fatores com pouca ligação com talento real e, portanto, pouco sustentáveis, e muito mais com a sorte.
Os Vikings enganaram com vitórias apertadas e uma eficiência ilusória na red zone. Os Eagles, com o peso da narrativa pós-Super Bowl, uma tabela fácil e grandes doses de sequenciamento. Já os Bills — a fraude mais sutil, e por isso mais perigosa — se beneficiaram de uma porcentagem absurda de recuperação de fumbles, uma completa anomalia estatística.
Como afirmei na introdução desta série: o processo é mais importante do que os resultados, sendo também mais preditivo. Foque no que as equipes conseguem controlar, no que é repetível — e não no que foi construído pelo acaso. Separe o ruído do sinal.
A sorte pode acompanhar equipes por um tempo, mas ela inevitavelmente acaba — e o que sobra é a força real dos times. É por isso que identificar fraudes não é um exercício cínico ou provocativo; é algo fundamental para a obtenção de valor nas apostas esportivas.
Nos vemos na próxima parte da série, com foco na NBA — uma liga ainda mais popular no Brasil do que a NFL, e onde as fraudes também existem aos montes.