Identificando fraudes esportivas na NBA
Chegamos na terceira parte de nossa série sobre identificar equipes superestimadas nas três grandes ligas americanas (NFL, NBA e MLB), ou seja, as fraudes esportivas. A NBA passa longe de ser a minha preferida entre as três que trabalho, mas é, de longe, a mais popular no nosso país. Muitos dos quesitos que geram equipes superestimadas na NBA foram abordados no artigo de introdução, mas aqui explicarei mais a fundo cada um deles.
Se na NFL citei três equipes como exemplos de superestimadas, um único e recente caso serve muito bem como exemplo de tudo o que leva uma equipe da NBA a ser considerada melhor do que realmente é — claro, os Los Angeles Lakers de Luka Doncic e LeBron James.
Alguns dos subtítulos abaixo são emprestados da música A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana, dos Titãs. Não é algo muito inovador, pois utilizei trechos dessa música em muitas análises ao longo da minha carreira.
Amostras curtas: o melhor time de todos os tempos da última semana
Já aprendemos que, quanto menor a amostra, menos confiável é o resultado e maior a chance de ela ter sido construída por mero acaso. Isso parece bastante evidente, mas ainda é algo frequentemente ignorado por grande parte dos apostadores. Casas de apostas fornecem de bom grado estatísticas de desempenho recentes, sabendo que, na maioria das vezes, elas contribuem mais para o engano do que para uma análise precisa.
Dez jogos na NBA correspondem a apenas 12% da temporada, mas é comum vermos análises enfatizando que o time X venceu 8 das últimas 10 partidas, como se isso fosse um indicativo real de força.
Equipes problemáticas, muitas vezes, terão sequências quentes construídas por sorte no aproveitamento, sequência favorável de jogos contra times fracos e/ou em pontos situacionais desagradáveis, enganando a mídia, os torcedores e os analistas pouco atentos. A mídia, que depende muito mais de cliques do que da verdade, é a primeira a exaltar os heróis de curtos períodos de amostra. Obviamente, porque este tipo de manchete é muito mais atrativo do que algo como: “equipe mediana se beneficiou da sorte na construção dos bons resultados recentes”.
O aproveitamento
Se na NFL os turnovers estão entre os quesitos voláteis que mais geram equipes superestimadas, na NBA é o aproveitamento a principal causa. Diferente da NFL, onde os turnovers são muito voláteis e, em grande parte, aleatórios, na NBA eles são uma habilidade real, replicável e bastante estável. Na maioria das vezes, possuem conexão direta com o estilo e o plano de jogo das equipes — vide o Oklahoma City Thunder, atual campeão da liga.
No entanto, os turnovers se correlacionam menos com vitórias do que o aproveitamento. Bem menos, na verdade. Segundo o estudo de Dean Oliver, autor do brilhante Basketball on Paper: Rules and Tools for Performance Analysis (leitura obrigatória para apostadores de basquete), a ordem dos fatores e o peso que cada quesito possui para o resultado final de uma partida é a seguinte:
• Aproveitamento (40%)
• Turnovers (25%)
• Rebotes (20%)
• Lances livres (15%)
O problema é que o quesito que mais se correlaciona com vitórias na NBA também é o mais volátil jogo a jogo. Isso faz com que a sorte tenha um papel mais predominante do que o talento em curtas amostras.
Acertar a cesta é o objetivo do jogo, e obviamente é um talento real e bastante cobiçado pelas equipes. Mas existe um nível que não pode ser ultrapassado. Aproveitamentos irreais criados em curtas amostras inflam recordes, criam narrativas e geram falsa percepção de força.
Uma equipe com aproveitamento acima de 40% nos arremessos de três, especialmente as que utilizam muito esse recurso, em uma amostra de cinco ou dez jogos, invariavelmente vencerá muitas partidas no período. Mas não conseguirá sustentar isso por muito tempo. Afinal, nesse nível, o aproveitamento não é um talento real.
Equipes quentes estão fadadas a esfriarem. E, se tudo o que elas tinham era um aproveitamento muito acima das taxas históricas da liga, a regressão à média fará com que entrem em colapso. O que antes parecia um bom time se revelará bastante frágil.
Narrativas: não importa a contradição, o que importa é televisão
A NBA, especialmente a atual, comandada pelo ativista político disfarçado de comissário, Adam Silver (que futuramente fará companhia a Rob Manfred, comissário da MLB, no inferno), é muito mais um show do que um esporte. Jogadores são celebridades, jogos — mesmo aqueles de temporada regular — são grandes eventos, jogadas são repetidas à exaustão por semanas, e comentaristas que se fingem de analistas ficam horas buscando justificativas para coisas que simplesmente foram construídas pelo Deus do acaso.
Se na NFL os comentaristas ainda tentam manter um certo ar de análise técnica, mesmo que muitos não tenham condições para isso (vide o amor pela quase completamente aleatória porcentagem de conversão de terceiras descidas, que abordamos na parte anterior desta série), na NBA eles nem sequer tentam. A NBA gira em torno de histórias pré-fabricadas: o jovem jogador em ascensão, o veterano em busca de seu primeiro título, o time que ninguém acreditava (e que muitas vezes, de fato, não é tão bom assim), e reuniões de astros tratadas como o maior trio desde o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
Narrativas são potentes porque vendem. São fáceis de digerir. Você não precisa pensar muito, já pensaram por você. Muitas vezes, são emocionalmente satisfatórias, trazem conforto e o sentimento de pertencimento.
O problema é que é fácil para os apostadores se esquecerem de que estamos lidando com probabilidades, não com um roteiro de Hollywood. O final das grandes histórias nem sempre acontece como nos clichês dos filmes. Um grande jogador não está fadado a carregar um time defeituoso ao título. Um patinho feio não vira cisne só porque você acredita que ele não é tão feio assim.
As narrativas sustentam fraudes porque criam expectativas irracionais. Uma sequência de vitórias vira evidência de força. Um jogador em boa fase se torna automaticamente a próxima estrela da liga. A tabela fácil? Ignorada. O aproveitamento irreal? Justificado por ajustes de técnicos “brilhantes” que, daqui a algumas semanas, quando a regressão vier, serão apontados como os culpados pela queda de rendimento do time.
A mídia cria os heróis para transformá-los em vilões. Exalta os supostos grandes times para depois criticá-los. O importante é que a história faça sentido naquele momento — não que ela seja verdadeira. Afinal, daqui a duas semanas surgirá uma nova grande história.
É um ciclo infinito de ilusão.
É importante entender que o papel da mídia esportiva não é fornecer grandes análises. É criar grandes histórias, vender esperança para os torcedores, aumentar o interesse pela liga, mesmo que, muitas vezes, às custas da verdade.
Narrativas são um dos ruídos mais perigosos para o apostador. Porque não são apenas estatísticas distorcidas. São histórias que apelam para a emoção. E por mais racionais que tentemos ser, somos humanos. E humanos são extremamente vulneráveis à emoção.
O que de fato sustenta vitórias na NBA?
Ainda pretendo produzir uma série de artigos com foco em fatores que criam boas equipes nas três grandes ligas americanas, mas, respondendo a pergunta de forma resumida: a consistência.
E sobre consistência, quero dizer:
Equipes que se mantêm competitivas mesmo durante períodos de azar no aproveitamento e equipes com um plano de jogo bem definido, funcional, que são menos dependentes de altos aproveitamentos. Se o time vence mesmo quando é superado pelo oponente no aproveitamento, fique de olho: essa equipe provavelmente é uma equipe sólida.
O poder da grife: Los Angeles Lakers de 2025
Existiram outras equipes mentirosas que iludiram a mídia, os torcedores e os apostadores nos últimos anos, mas os Lakers são um exemplo perfeito. A farsa foi construída por uma mistura de sucesso em curto período de amostra, estatísticas infladas e, principalmente, narrativa criada pela mídia e absorvida por torcedores e apostadores.
Antes de irmos a fundo nos fatores que criaram a ilusão de que um time defeituoso, de repente, havia se transformado em um dos favoritos ao título, precisamos lembrar o que desencadeou isso: a bastante controversa troca que levou Luka Doncic aos Lakers. Doncic foi trocado dos Mavericks para os Lakers no dia 2 de fevereiro, em uma das negociações mais surpreendentes da história dos esportes americanos. O jogador estreou pela equipe de Los Angeles alguns dias depois, no dia 10 de fevereiro, em uma vitória em casa sobre o Utah Jazz.
Com Doncic, os Lakers — que já vinham em boa fase um pouco antes da chegada do armador — emplacaram uma sequência de oito vitórias consecutivas entre 20 de fevereiro e 3 de março. E isso bastou para que a mídia decretasse a equipe como uma nova potência, narrativa que foi rapidamente comprada por torcedores e apostadores.
Acontece que a equipe estava em um trecho bastante confortável da temporada, com uma sequência de jogos em casa e, em geral, enfrentando adversários de baixo nível técnico ou equipes desgastadas, que vinham de back-to-backs, sequências de viagens ou haviam feito um grande número de partidas em poucos dias. Os Lakers, com ou sem Doncic, tinham grande expectativa de vitória naquele trecho.
A equipe esfriou logo depois, perdendo quatro partidas consecutivas fora de casa e terminando com uma campanha de 10-11 W/L no último mês da temporada. Ainda assim, aquele pequeno instante de sucesso foi o suficiente para que os Lakers passassem a ser tratados como uma grande equipe.
Com Doncic, os Lakers passaram a buscar arremessos de três pontos em alto volume e tiveram um aproveitamento de 37,7% no quesito nas 32 partidas após sua chegada. O problema é que os arremessos de três, que por natureza já oscilam bastante, foram o único quesito funcional da equipe na segunda metade da temporada. No ataque, o time se tornou propenso a turnovers, passou a pontuar pouco próximo ao aro e ficou extremamente dependente do sucesso nas bolas de três ou de idas à linha de lance livre. Na defesa, o garrafão sem a presença de Anthony Davis ficou ainda mais exposto, com a equipe sofrendo em transições rápidas e permitindo cestas fáceis aos adversários.
Nas últimas 32 partidas da temporada regular, os Lakers tiveram um diferencial ajustado de +2,1 — uma melhora considerável em relação ao +0,7 de suas primeiras 50 partidas, mas ainda longe de um time de elite. Mesmo assim, com a terceira melhor campanha do Oeste, a equipe foi considerada favorita contra os Minnesota Timberwolves na primeira rodada dos playoffs, onde acabou derrotada por 4 a 1.
Os Timberwolves, apesar de terem terminado com apenas a sexta melhor campanha da Conferência Oeste, construíram um diferencial de +8,2 nas últimas 32 partidas da temporada regular — superior ao dos Lakers. E, na verdade, foram significativamente melhores nas duas metades da temporada, já que haviam acumulado um diferencial de +3,1 nas primeiras 50 partidas. Ainda assim, um time que, estatisticamente, era claramente superior, foi underdog na série. Simplesmente porque, com ajuda da mídia, as pessoas se apaixonaram pelos Lakers. Seduzidos pela dupla Luka Doncic e LeBron James, ignoraram — em sua maioria — as claras deficiências da equipe.
O que aprendemos até agora?
Na NFL, são os turnovers e as vitórias apertadas os fatores que mais contribuem para o surgimento de fraudes.
Na NBA, o aproveitamento, os curtos períodos de amostra e as narrativas da mídia.
Nos dois casos, o que engana é essencialmente a mesma coisa: sorte que é confundida com padrão.
Na conclusão de nossa série, falaremos sobre a MLB — onde as estatísticas são mais avançadas, tornando as fraudes mais facilmente identificáveis, mas onde a temporada é longa o suficiente para criar cenários caóticos e de enorme variância.
Espero que estejam gostando. Até semana que vem.