Jornal analisa momento das apostas no Brasil e projeta consolidação do mercado
O Brasil está prestes a enfrentar o desafio de regular o crescente mercado de apostas online, conhecido popularmente como “bets”. A partir de janeiro de 2025, novas regras formalizarão o setor, incluindo a cobrança de impostos. A experiência internacional, com países como Reino Unido, Itália e Espanha, sugere que a regulamentação pode gerar uma significativa arrecadação tributária e criar novos empregos, mas também leva à concentração de mercado com fusões e aquisições por grandes empresas globais.
As apostas online movimentaram US$ 45 bilhões globalmente em 2023 e são projetadas para atingir US$ 65,1 bilhões em 2029. No Brasil, as apostas somaram R$ 120 bilhões em 2023, com expectativa de chegar a R$ 150 bilhões em 2024. Países como o Reino Unido, com uma regulação estabelecida, arrecadam bilhões em impostos e criam milhares de empregos. O jornal O Globo publicou neste final de semana uma matéria analisando o momento das apostas no Brasil e o que pode acontecer com o país a partir de 2025. A projeção do jornal mostra quais são as expectativas de consolidação do mercado.
Confira abaixo, na íntegra, a matéria do jornal O Globo sobre o tema
Bets: experiência de outros países indica que regulação concentra mercado, mas gera impostos e empregos
Diante de um mercado que cresce de forma acelerada no mundo, o Brasil enfrenta o desafio de regular as plataformas de apostas on-line, as populares bets, associadas principalmente a jogos de futebol.
O governo arremata as regras que vão formalizar o setor no país a partir de janeiro de 2025, inclusive com a previsão da cobrança de impostos aprovada no Congresso.
A experiência de outros países que fizeram isso antes indica que de fato o governo pode colher uma arrecadação bilionária dessa regulamentação, mas também que o estabelecimento de regras de controle e salvaguardas para minimizar riscos podem gerar empregos e negócios.
A tendência deve ser de aquisições das pequenas empresas do setor pelas maiores e até por gigantes globais, que podem ficar ainda mais atraídas pelo promissor mercado brasileiro.
Os números são atrativos. Estima-se que as apostas on-line movimentarão neste ano nada menos que US$ 45 bilhões (pouco mais de R$ 250 bilhões) em todo o mundo, chegando a US$ 65,1 bilhões (R$ 364 bilhões) em 2029, um crescimento anual de 7,4%, segundo estimativas da plataforma de dados Statista.
No Brasil, o cálculo é que as apostas on-line somaram R$ 120 bilhões em 2023 e podem chegar a R$ 150 bilhões neste ano.
A análise dos números de países como Reino Unido, Itália e Espanha confirma a expectativa do governo de uma arrecadação expressiva de impostos, mas também destaca a geração de vagas para profissionais de atendimento, de operação dos sites e de tecnologia.
São posições que devem ser internalizadas com a obrigação de as bets se estabelecerem no Brasil. Até agora, elas operavam de estruturas no exterior.
— As regras trazem segurança jurídica ao investimento, garantias aos apostadores e uma busca pelo jogo responsável. E, claro, recursos novos em impostos — diz Ricardo Bianco Rosada, da brmkt.co, consultoria de estratégia e desenvolvimento de negócios.
O Reino Unido é visto como uma referência da formalização das apostas on-line. Dezenove anos após a regulação, a arrecadação de impostos chega a 4 bilhões de libras (R$ 29 bilhões) por ano.
As bets britânicas têm alíquota de 15% sobre o chamado Gross Gaming Revenue (GGR), que é a receita bruta das plataformas após o pagamento dos prêmios, mas não há imposto de renda para os apostadores vitoriosos.
Com regras rígidas e monitoramento de atividades suspeitas, o Reino Unido proibiu, por exemplo, que jogadores ou árbitros apostem no futebol. Atletas também não podem passar nenhuma informação para pessoas que possam se beneficiar em apostas, como escalações de seus times. Autoridades discutem um novo código de propaganda para as bets.
O país contabiliza mais de 60 mil postos diretos de trabalho ligados ao setor, composto por 1,6 mil sites de apostas, mas esse número já foi superior a 2,4 mil. Outra tendência que a experiência internacional mostra é essa concentração de um mercado hoje muito pulverizado.
Especialistas apontam em países com regulação mais antiga, como Espanha e Itália, fusões que criaram grandes corporações globais do ramo.
Em 2020, por exemplo, as britânicas Flutter Entertainment e The Stars Group se uniram na maior empresa de apostas on-line do mundo, com marcas como PokerStars e Sky Bet. Estima-se que 400 bets atuem globalmente, das quais 25 já são consideradas gigantes.
Limbo jurídico
O mesmo movimento é esperado no Brasil. Com o mercado ainda não regulado, o número de empresas é impreciso: varia entre 200 e 1,2 mil, dependendo da fonte.
— Manter uma bet exige grande investimento em tecnologia, cibersegurança e marketing. A expectativa é uma consolidação do mercado no Brasil e no mundo, com menores sendo compradas ou se fundindo — diz o advogado Caio de Souza Loureiro, sócio da área de Gaming & E-sports, do TozziniFreire Advogados.
No Brasil, uma lei de 2018 determinou que as apostas on-line seriam uma modalidade de loteria, mas não foram criadas regras complementares, o que deixou a atividade numa espécie de limbo jurídico. A regulação federal aprovada recentemente estipulou alíquota sobre o GGR de 12%, e os apostadores deverão recolher 15% sobre os prêmios como Imposto de Renda. As bets devem ter operação no Brasil e pagar outorga de R$ 30 milhões para operar por 5 anos.
O Ministério da Fazenda trabalha em uma nova portaria para o setor, que deve sair em breve, considerada fundamental pelas bets para que possam estimar seus ganhos em um novo cenário de mercado regulado.
O documento também vai estabelecer se crash games (como o “jogo do aviãozinho”) e slots (como o do “tigrinho”) poderão funcionar no Brasil, desde que os sites apresentem ao apostador uma tabela com previsão de ganho progressivo ao longo do jogo. Em outros países esses dois tipos de jogos on-line geram a maior parte do ganho do setor. Para algumas bets pode não fazer sentido pagar a outorga para ficar só no campo esportivo.
Nos países que já avançaram, os modelos de controle diferem. No Canadá, a regulação começou em 2021 e, nos EUA, em 2018. Em ambos, os estados podem criar as próprias regras para o jogo on-line. Na América Latina, a Colômbia saiu na frente em 2015 com regras de funcionamento e tributação dos sites, mas optou por criar um órgão fiscalizador federal. Já na Argentina, isso cabe às províncias.
Na Espanha, o faturamento das bets triplicou desde a regulação, em 2011. No país, a taxação delas é de 20%. Nos países em que há regras federais, boa parte da arrecadação vai para a saúde. Onde há regras estaduais, geralmente o dinheiro financia infraestrutura, educação e combate à pobreza.
Na Itália, as regras também são de 2011, mas há novos projetos em discussão, como criar uma taxa para as bets financiarem o tratamento de jovens viciados em apostas. Ideia similar está em debate no Reino Unido. Na Alemanha, onde as regras são de 2021, o temor de fraudes levou à proibição de apostas em jogos em andamento e só é possível apostar no resultado final.
No Brasil, uma portaria de julho determinou que plataformas de apostas terão de identificar, qualificar e fazer classificação de risco de apostadores, apontando padrões que possam indicar uso abusivo. Além disso, bets terão de comunicar transações suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que combate a lavagem de dinheiro.
Pandemia acelerou setor
Dentre os fatores que ajudaram a impulsionar as apostas on-line no planeta, especialistas apontam o isolamento social da pandemia e o avanço da tecnologia dos smartphones e meios de pagamento. Por aqui, o Pix ajudou ainda mais a turbinar esse comportamento.
Para desestimular o uso abusivo, países como Espanha e Itália já limitaram o patrocínio das bets em camisas de times de futebol. No Brasil, 19 dos 20 clubes da Série A têm alguma bet como patrocinadora, mas limites nessa área só devem acontecer em um segundo momento, dizem especialistas baseados na experiência internacional.
É um segmento ainda em transformação, diz Heather Wardle, professora da Universidade de Glasgow, na Escócia, especialista em apostas esportivas e autora do livro “Jogos sem fronteiras”:
— O desenvolvimento recente dos jogos on-line tem a ver com a mudança de infraestrutura tecnológica, que originou um produto de entretenimento multibilionário. Os jogos refletem tendências sociais mais amplas, atingiram escala até então desconhecida.
Mariana Tumbiolo, sócia do Madruga BTW Advogados, diz que o potencial brasileiro é enorme. Segundo a advogada, há estimativas de que o mercado possa chegar a algo entre 1% e 2% do Produto Interno Bruto (PIB).
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estimou que, neste ano, ao menos R$ 2 bilhões entrariam nos cofres públicos com a regulação, mas até agora só duas empresas ingressaram com pedido de outorga e entregaram os documentos à Fazenda: a Superbet e a Kaizen Gaming Brasil, dona da marca Betano.
Além dessas, o Sistema de Gestão de Apostas registra outras quatro em processo de envio da documentação. Cada pedido pode contemplar até três marcas e deve ser feito até 20 de agosto. As autorizações serão emitidas pela Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) até o fim do ano, para que o mercado regulado passe a funcionar em 1º de janeiro.
Fonte: O Globo