
Instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central contribuem com mercado ilegal de apostas
Uma investigação conduzida por Tacio Lorran, do jornal Metrópoles, revelou que diversas instituições financeiras e de pagamento autorizadas pelo Banco Central têm intermediado transações para casas de apostas que operam sem autorização do Ministério da Fazenda. O levantamento identificou ao menos oito instituições atuando como facilitadoras de pagamentos para essas plataformas ilegais.
Entre as empresas citadas estão o FitBank, que tem o JP Morgan entre seus acionistas, além da Voluti, Microcash, Sants Bank, Treeal, Ecomovi, Creditag e Silium. Segundo a apuração do Metrópoles, 136 sites de apostas ilegais utilizam essas plataformas para processar pagamentos, permitindo que usuários realizem depósitos e transações via Pix.
Os indícios de irregularidades são evidentes. Muitos desses sites prometem bônus exorbitantes de até R$ 100 mil, aceitam cadastros com informações falsas, como CPFs inexistentes (000.000.000-00), e até sugerem o uso de VPN para contornar bloqueios governamentais. A Lei das Bets, sancionada em 2023, proíbe que instituições financeiras e de pagamento facilitem transações para empresas de apostas que não possuam autorização do Ministério da Fazenda. No entanto, a investigação revelou que essas empresas continuam permitindo movimentações para plataformas que operam fora da regulamentação.
O Ministério da Fazenda informou que notificou recentemente 22 instituições financeiras por realizarem transações com sites de apostas não autorizados. Além disso, anunciou que está elaborando uma portaria para reforçar o cumprimento das normas e estabelecer diretrizes mais rígidas sobre o tema. O Banco Central, por sua vez, afirmou que está desenvolvendo mecanismos de fiscalização mais eficazes para evitar que empresas ilegais utilizem o Sistema Financeiro Nacional. No entanto, ressaltou que sua atuação é limitada ao âmbito administrativo e que não realiza monitoramento direto das transações dos clientes.
Esquema de funcionamento
A reportagem também identificou como essas transações ocorrem na prática. No início de fevereiro, a influenciadora digital Dayanne Bezerra, irmã da advogada e também influenciadora Deolane Bezerra, fez uma transmissão ao vivo promovendo a BBR Bet, uma plataforma de apostas ilegal. Em seu Instagram, onde possui cerca de 2 milhões de seguidores, ela mostrou como um depósito de R$ 8 resultou em um retorno de R$ 240 em apenas um minuto.
Ao acessar o link divulgado pela influenciadora, a investigação constatou que a BBR Bet opera fora da legalidade, tendo sua sede na Costa Rica e um domínio de internet terminado em “.com”, em desacordo com as regras estabelecidas pelo Ministério da Fazenda. Ao realizar um depósito de R$ 20, a transação foi processada pela Brapay, empresa que opera a bet ilegal, com a intermediação da instituição financeira Voluti. A Brapay obteve licença para operar junto à Prefeitura de Bodó, no Rio Grande do Norte, que credenciou 38 casas de apostas online por meio de um edital municipal. No entanto, apenas a União, os Estados e o Distrito Federal possuem competência legal para autorizar apostas de quota fixa. Por isso, o Ministério da Fazenda já notificou a administração municipal sobre a irregularidade.
Explicações
Após a repercussão da investigação, algumas das instituições citadas emitiram declarações negando envolvimento com apostas ilegais. O FitBank afirmou que segue padrões rigorosos de compliance e não tem sites de bets entre seus clientes, atuando apenas como prestador de serviço para provedores de pagamento. A empresa também disse que monitora transações suspeitas e bloqueia sites identificados como irregulares.
A Voluti declarou que nunca operou diretamente com bets ilegais e que exigia licenças municipais, estaduais ou federais válidas. No entanto, informou que encerrou contratos com todas as plataformas de apostas devido à falta de informações concretas sobre os controles de geolocalização.
Já a Microcash alegou que, ao identificar movimentações suspeitas, bloqueia e desativa contas envolvidas, além de denunciar os casos às autoridades competentes. A empresa destacou que enfrenta dificuldades semelhantes às das autoridades na identificação e combate a transações irregulares.
As instituições Sants Bank, Ecomovi, Creditag e Silium não responderam aos questionamentos da reportagem do Metrópoles.
Discurso e realidade
Aqui na Casa do Apostador, tenho falado bastante sobre como a luta contra o mercado ilegal de apostas no Brasil ainda é branda. A recente investigação do Metrópoles só reforça essa percepção. Quando instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central acabam facilitando transações para sites que operam sem autorização, fica difícil acreditar no discurso oficial de que a regulamentação será rigorosa e eficaz.
A Lei das Bets foi criada justamente para evitar que plataformas ilegais prosperem, mas, na prática, os mecanismos de fiscalização ainda falham em conter essa movimentação. É um cenário contraditório: de um lado, temos anúncios de portarias e regras mais rígidas; do outro, vemos que o dinheiro continua fluindo para sites que prometem ganhos irreais e nem se preocupam em validar dados básicos dos usuários.
O problema é que, enquanto a fiscalização não se tornar realmente eficiente, o mercado ilegal segue crescendo e atraindo apostadores desavisados. Afinal, se até instituições financeiras conseguem operar sem grandes consequências nesse cenário, como esperar que o apostador comum faça escolhas seguras? A confiança do público depende de um jogo limpo, e, por enquanto, as regras parecem valer apenas no papel.