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Cidade do RN se torna “betolândia” ao driblar licenciamento federal das casas de apostas
Enquanto o governo federal exige uma outorga de R$ 30 milhões para a operação legal de casas de apostas no país, um pequeno município do Rio Grande do Norte encontrou uma forma alternativa de autorizar essas atividades por um valor muito inferior. De acordo com informações divulgadas pelo colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, na cidade de Bodó, com pouco mais de 2,3 mil habitantes, uma licença para operar plataformas de jogos online pode ser obtida por apenas R$ 5 mil por um período de dois anos.
Desde a abertura do credenciamento, a prefeitura já autorizou o funcionamento de 38 empresas do setor, tornando-se um destino atrativo para empresários que buscam regularização sem cumprir todas as exigências do Ministério da Fazenda. Algumas dessas casas de apostas já tiveram seus registros negados pelo governo federal, enquanto outras sequer tentaram o processo formal.
Empresas licenciadas pelo município operam sob diferentes domínios, como “.com”, “.game” e “.bet”, contrariando a regra da Fazenda, que determina o uso exclusivo do “.bet.br”. Entre as plataformas credenciadas estão Play na Bet, Betinha e Bet10, que oferecem apostas esportivas em diversas modalidades, além de jogos de cassino. Já a Aposta 7 foca exclusivamente em roletas, game shows e cassinos ao vivo.
O selo da Loteria Municipal de Bodó (LotSeridó) é exibido por algumas dessas empresas, que alegam operar dentro das normas brasileiras, embora não tenham licença federal. A legislação brasileira permite que loterias municipais e estaduais concedam autorizações para apostas, desde que restritas ao território de origem. No entanto, a amplitude da operação das empresas registradas em Bodó levanta questionamentos sobre a efetividade dessa limitação.
Com a arrecadação das outorgas, a prefeitura deve receber R$ 190 mil, além de 2% sobre o lucro das casas de apostas, descontadas as despesas. Se essas empresas estivessem regularizadas no âmbito federal, o valor devido ao governo chegaria a R$ 1,140 bilhão. O atual prefeito de Bodó, Horison José da Silva (PL), defende o credenciamento como uma estratégia para aumentar a receita municipal sem criar novos impostos ou demandar investimentos diretos do poder público. A iniciativa, no entanto, teve início ainda na gestão do ex-prefeito Marcelo Mário Porto Filho (PSD).
Dribles
O futebol brasileiro é conhecido pela sua capacidade de improviso. Driblar é algo que fazemos como ninguém. No entanto, o que deveria ficar restrito aos campos também pode ser visto fora deles, como nesse caso do licenciamento das bets no país. A divulgação da “estratégia” adotada por Bodó para liberar casas de apostas por um valor irrisório pode abrir ainda mais portas para empresas que buscam driblar o licenciamento federal. Se um pequeno município de pouco mais de dois mil habitantes conseguiu criar uma espécie de refúgio regulatório para o setor, o que impede que outras cidades sigam o mesmo caminho?
Na prática, a notícia expõe não apenas uma alternativa barata para as bets, mas também uma fragilidade gritante na legislação brasileira. Se há espaço para interpretações que permitem manobras desse tipo, é evidente que a regulação do setor precisa de uma revisão urgente. Afinal, enquanto algumas empresas pagam R$ 30 milhões para operar legalmente, outras encontram atalhos para escapar desse custo, gerando uma concorrência desleal e um impacto significativo na arrecadação pública.
O mais preocupante é que essa prática pode não ser um caso isolado. Será que Bodó foi apenas a primeira cidade a chamar atenção, ou já existem outros municípios explorando brechas semelhantes longe dos holofotes? Se a fiscalização continuar frouxa e a legislação permanecer permissiva, a tendência é que esse modelo se espalhe rapidamente. No fim das contas, essa situação escancara uma injustiça evidente: regras frouxas para alguns e exigências rígidas para outros. O setor de apostas já movimenta cifras astronômicas no Brasil, e permitir que empresas se estabeleçam com exigências mínimas enquanto outras precisam desembolsar valores milionários é, no mínimo, questionável.