O mito do observador de esportes
Escrevi este artigo em 2015 e achei que valeria a pena republicá-lo. Parte do conteúdo se conecta diretamente com a minha série anterior aqui na Casa do Apostador, sobre identificar fraudes esportivas — ou, em outras palavras, equipes supervalorizadas nos esportes americanos.
O que você verá abaixo é o texto original, apenas com pequenas correções de pontuação. O objetivo não é entregar conclusões prontas, mas sim provocar uma reflexão, mesmo que em um tom bastante agressivo.
Muita coisa mudou de 2015 para cá: as estatísticas ganharam mais espaço e aceitação no mundo dos esportes, especialmente entre apostadores. Ainda assim, como vimos na série anterior, as narrativas criadas pela mídia e o engano construído a partir de pequenas amostras continuam vivos. Por isso, revisitar esse tema ainda é necessário.
Afinal, qual é o mito do observador de esportes?
Por definição, o observador, sem conhecimento prévio do objeto observado, nenhuma conclusão pode tirar daquilo — independentemente de quanto tempo empregue na sua tarefa.
Por exemplo: um cidadão, sem nenhum conhecimento teórico de medicina, não se torna um médico apenas por ter assistido a sessões ininterruptas de tomografia computadorizada. Sem saber o que procurar, toda a observação e o tempo investido na obra são inúteis.
O exemplo acima parece esdrúxulo, já que poucos teriam a arrogância de se julgarem especialistas em medicina sem estudo prévio.
No entanto, com os esportes e, consequentemente, com as apostas, algumas pessoas se consideram grandes especialistas apenas por terem dedicado horas a uma observação imprecisa. Julgam-se experts por conclusões tiradas muitas vezes com a ajuda da pífia — e nada inteligente — mídia esportiva ou de suas próprias crenças. Baseiam-se, em grande parte, nas análises puramente subjetivas, das quais, por vezes, saem conclusões patéticas que passam a ser tratadas como verdades imutáveis.
Uma análise baseada em estatísticas utilizando curtos períodos de amostra ou dados que não servem para contextualizar o ocorrido é imprecisa e de pouco valor. Ainda mais imprecisa — e de menor valor — é a análise feita através da pura e simples observação de eventos esportivos, nos quais nenhum ser humano é capaz de manter atenção suficiente para todas as nuances de uma partida, nem mesmo acompanhar todos os momentos de um jogador durante a temporada.
Autojulgar-se capaz de compreender tudo o que ocorre em um evento esportivo não é apenas pretensioso, mas também um comportamento extremamente arrogante — arrogância essa que é frequentemente usada como argumento para desacreditar qualquer analista estatístico.
Análises estatísticas que encontram resistência na crendice popular acerca de um determinado jogador ou time são muitas vezes rechaçadas com comentários que questionam o entendimento do analista sobre o esporte. Analisar atletas utilizando números é visto como algo profano pelos mesmos que se consideram observadores atentos e qualificados.
Seja qual for o esporte, ninguém assiste a todas as partidas, ninguém acompanha com atenção especial todos os momentos de um atleta específico. No geral, as pessoas tendem a acompanhar os jogos de prime time — no caso dos esportes americanos — e tiram as suas conclusões baseadas apenas em um curto período de observação.
Entre uma twitada e outra, entre grandes lances ou gritos mais eufóricos dos narradores, acreditam estar vendo toda a essência do ocorrido, enxergando tudo que há para ser visto naquele momento. Esquecem que um snap no futebol americano, um arremesso no basquete ou uma rebatida no beisebol são eventos aleatórios se não considerarmos toda a amostragem. Glorificam os heróis do prime time, jogadores que se destacaram em lances específicos, sem serem capazes de analisar o todo de um atleta. Pior ainda, acreditam que aquilo que os seus olhos destreinados enxergaram é não apenas a verdade, mas também a tendência para as próximas partidas.
A compilação de estatísticas em esportes profissionais cresce a cada dia. Com trabalho árduo, analistas foram capazes de contextualizar o que acontece dentro de um campo ou de uma quadra e também de desvendar quais aspectos são mais importantes para o resultado final de um evento esportivo. Com isso, chegaram a conclusões muito mais precisas do que aquelas apresentadas pelos olheiros ao longo de toda a sua carreira. Esse trabalho tem sido recompensado pelas equipes profissionais, que cada vez mais buscam pessoas de fora do esporte e lhes dão voz ativa na montagem dos times.
Do lado de fora, a velha guarda dos esportes — formada por comentaristas esportivos, narradores, torcedores e, infelizmente, boa parte dos apostadores, preguiçosos demais para assimilarem novos conceitos — segue cultuando a ignorância coletiva.
Grandes analistas, mais próximos da verdade do que muitos que vivenciaram a rotina dos esportes, são postos de lado nas transmissões esportivas e nas discussões de bares. Quando muito, são apenas “os caras chatos dos números” — que ganham espaço até que um jogador medíocre decida um jogo de prime time e, assim, acabe com a “falácia” dos números.
No futuro, os simples observadores — aqueles que, já bêbados no meio de um evento esportivo, vociferam o quão bom é um atleta baseado única e exclusivamente no lance que os seus olhos pouco virtuosos testemunharam — serão colocados em seus devidos lugares: o limbo dos esportes profissionais.
Gustavo Zambrano
Leia também:
Parte 1: Identificando fraudes esportivas – Introdução
Parte 2: Identificando fraudes esportivas na NFL